“Eu comecei a gravar e tocar reggae com bandas em 1999, já o Adwa Dubs iniciou em 2006. O sistema de som começou a ser montado em 2011, o primeiro stack ficou pronto no começo de 2013 e está ancorado em Curitiba-PR.”
“As produções próprias e remakes de riddims com a pretensão de fazer live dub sempre foram o foco. Eu sou interior de Santa Catarina, onde as referências eram o que se ouvia no Farol de Santa Marta, Guarda do Embaú e também as bandas de Porto Alegre. Eu estava ouvindo outras coisas. Eu amo a cultura, mas não pego onda e nem sou frequentador de praia, não me identificava com as letras e resolvi parar com bandas e buscar novas ideias.”
“Com as bandas, tínhamos três festas com média de público de 250 pessoas e, com o passar do tempo, as coisas estavam enfraquecendo, precisando renovação no modelo das festas/atrações, pois do jeito que estava não íamos chegar à lugar algum. Decidi parar de tocar com as bandas, pois estávamos fazendo música para o público do surf, com o qual eu não me identificava, além da falta de comprometimento de algumas pessoas que tocavam comigo.
Então decidi correr sozinho, montando os riddims e fazendo os remixes em casa, de maneira amadora, divulgando aos poucos pelo Trama Virtual, MySpace e depois Soundcloud. Através do Trama eu linkei o Jimmy Luv, o MPC e o Gurila Mangani de BH, e a partir daí comecei a viajar sozinho atrás de som e de ver como as pessoas faziam os “dubs”.”
“A ideia de montar as caixas veio quando eu morava em Floripa, pois, sempre, em todas as festas que fazíamos, os equipamentos eram precários e, quando alugávamos ou tocávamos com equipamentos “profissionais”, tínhamos que lidar com a boa vontade de quem estava amplificando, e aí é aquela história que muita gente já passou. Decidi que tinha que montar as caixas depois de chegar em um baile com Quilombo Hi-Fi, Africa Mãe do Leão, Garage SS e Leggo Violence. “É ISSO AÍ!” eu pensei.”
“A formação inicial era eu mesmo, sozinho. Os MCs que eu convidei no começo não queriam fazer com “playback”, eles queriam uma backing band e fazer um lance na onda do High-Tone e Improvisators Dub. Sem chance: o lance era não ter uma banda tocando. Apenas quando mudei para Floripa eu consegui incluir um MC ( Ganjah King ) e um selecta ( King Tunes ) para conseguir seguir como uma crew de fato. Essa formação durou três anos, depois cada um seguiu outros projetos. O Danjah Tone veio depois.
“Eu (Miguel Gustavo) saí da Santa Augusta, um bairro do subúrbio de Criciúma-SC, sem saber o que era um rewind ou um dubplate. Comecei a fazer isso antes mesmo de saber quem era o Jah Shaka e que se gritava pow pow pow na sessão, kkkkk! Em Criciúma, meu som foi desligado várias vezes. Em uma situação fui colocado para fora do bar sem poder recolher meu próprio equipamento e enfim, resolvi sair de lá e ir para outros lugares.
Em Porto Alegre a cena era de bandas, então também não ia rolar. Fui para Floripa trampar e dar um tempo das bandas, e lá, por ironia do destino, o Ganjah King morava a 50 metros, na rua do meu trampo. Eu encontrei com ele em uma sessão do Digital Dubs e decidimos fazer juntos, ele como MC e eu fazendo o live, apenas com 2 canais, brincando com o panorama, jogando o riddim “oficial” para o lado R e os cortes que eu queria jogar efeito para o L. No mixer eu jogava tudo para o R e fazia a mandada em mono. Era tosco demais, mas a gente chapava bem. O Ganjah King tinha muito mais conhecimento e envolvimento que eu, ele já tinha gravado dubplates para o Ganja Groove, Amanajé Sound, Lion Kulcha, gravou com os caras do Cidade Verde, etc.”
“Ensaiávamos” no “pós-rango”, antes de voltar pro trampo, mas precisávamos montar um baile. Dessa ideia o King Tunes somou à gente para ter um time de seletores. Juntamos os poucos discos que tínhamos, algumas produções próprias, e fizemos alguns bailes pequenos no Campeche, Rio Tavares, na Célula Cultural, na UFSC, mas sempre de maneira precária. Nessa época comecei a acompanhar e ver os trampos dos manos de SP como o Dubversão, Garage SS, Quilombo Hi-Fi, AML. Eu ajudava no suporte e focava nos estudos do reggae, procurando, ouvindo e produzindo novos sons de acordo com o que fazia parte da cultura.”
“Conforme íamos nos envolvendo, mais pessoas chegavam, e conheci o Raggamonk de Curitiba, o Arcanjo Ras, o Sambatuh, conheci o Magrão e enfim, muita gente foda! Mas, como tudo era muito amador e precário, colocando recursos próprios na jogada sem ter evolução no som e sem ter o mínimo de retorno para compensar os prejuízos, eu decidi em 2011 parar e ir para Curitiba. Decidi que só iria nos bailes, sabia da tradição de Curitiba pois acompanhava pela internet as festas, flyers, fotos. Era tudo mais caprichado e profissional do que as experiências anteriores.”
“Mas em Curitiba as coisas também não eram fáceis, eram poucas pessoas carregando o peso da cena e em alguns locais as festas eram amplificadas por home-theater de DVD e um amplificador de baixo para tocar os graves. Na real eu nunca me importei com isso pois em Floripa a gente tinha que segurar os cabos das caixas para ter festa, hehehe. Resolvi voltar a tocar por que Curitiba tinha mais maturidade em termos de sound, mas com a condição de que seria com o próprio sound system e live dub. Assim, convidei algumas pessoas mas o custo e o “como montar uma sound?” assustava o povo, então segui sozinho. Eu já havia trabalhado com PA quando eu tocava em bandas, então conhecia um pouco. Baixei alguns livros e estudei o que deu para estudar sozinho. Algumas pessoas me ajudaram com informação e sou eternamente grato por isso: Jah Knomoh do Quilombo, o Alexandre Costa do Mozziyah, o Andrea do I-Land Rebel, entre outros manos. Primeiro fiz uma scoop, para ver se conseguia chamar a atenção de alguém que resolvesse acreditar no trampo. Ninguém chegou, resolvi seguir a ideia sozinho mesmo. Montei o equipamento todo e fui testando até fazer o primeiro baile oficial dele com o Digital Dubs em Curitiba. Amplificamos várias festas, várias equipes de responsa e ano passado decidi largar meu trampo para fazer o que eu queria: produções próprias, live dub e ter a própria sound para amplificar. Com isso convidei o Danjah Tone para trampar comigo, estamos terminando um disco com produções próprias e a ideia é fazer as sessões na rua.”
“Oficialmente, hoje o coletivo sou eu ( Miguel ) e o Danjah Tone, que eu sou amigo e conheço desde a época da Canabeat Records e da coletânea Pac-O-Mania que constava com Buguinha Dub, Stalker, Dubalizer. Mas temos o apoio de diversos manos. O Danjah Tone é produtor e está encarregado de deixar as tunes que produzimos soando parecidas. Além dos trampos com o Adwa, tem o trampo dele que é de altíssimo nível. Eu convido a todos que ouçam as produções dele. Ele também faz remix para outros produtores do Brasil e de fora do Brasil.”
“Eu faço produção também, mas toda finalização dos tunes hoje fica com o Danjah Tone (nota do site: ouça o SoundCloud oficial do Adwa clicando AQUI). Cuido de agenda, corro atrás dos processos mais burocráticos do sound como papéis, horários, manutenção do equipamento, frete, material de merchan, contato com MCs para cantar e gravar com a gente, etc. Além dos trampos com o Adwa, toco como freelancer em bandas, dou aulas particulares de guitarra e música em Curitiba e pela internet através do Skype.”
“A gente está escolhendo mais duas pessoas, uma para nos ajudar com os papéis e autorizações para ir para rua e fazer o trampo dos bailes e com organização das datas, dos horários de chegada para montagem e desmontagem, vendas/merchan, etc, e outra pessoa responsável pela técnica, que entenda de acústica e que conheça desde a parte de eletrônica envolvida para ligar um tweeter, associação de auto-falantes até cortes em crossover e equalizadores. Temos nossos breddas que ajudam a gente e que merecem destaque aqui.
Guilherme Little Rasta, que é MC e soma para carregar as caixas e ajuda na produção. O trampo dele tá no face e Soundcloud. Raggamonk é um mano que tá junto também. Ele tem um trampo com o Bunny Red finíssimo; ele fez os desenhos e arte para diversos manos, tem um trampo com o Alienação e é um cara que a gente confia muito quando precisamos de um pitaco quanto à produção, seleção, etc.
O Alienação Afrofuturista é MC e também dá apoio pra gente para carregar, montar, cantar, rir e se divertir. Ele tem o trampo com a Hazedub Crew (Alienação, Thiago Yamada e Ganesh).
Tem também o Nescka e o Bredda Possoli que formam a Radiola Rockers Sound e são os braços do Adwa Dubs em Santa Catarina. Eles que dão suporte para gente quanto estamos tocando por lá.”
“Nosso projeto principal, hoje, é terminar o disco e ir para rua. Nossa ideia não é ficar somente em Curitiba. Quanto à festas, hoje nosso principal parceiro é o time do Bar 351 (Rodrigo, Thiago, Hazedub Crew) que promovem eventos em Curitiba, amplificamos e tocamos nas festas promovidas por eles. Também temos uma parceria forte com a AMRES em Santa Catarina. O bar deles abre de Quinta à Domingo e é exclusivo ao reggae e rap. Tocamos lá 1 vez por mês.”
“Hoje levamos o projeto muito à sério. Como falei anteriormente, estamos encerrando um disco com grandes convidados e com a venda de material queremos bancar nossas sessões nas ruas. Eu e o Danjah Tone trabalhamos nas composições, mas o trampo de divulgar um tune a cada seis meses, de qualquer jeito, me incomodou demais. Por isso, reunir todas as produções em um disco e poder tocá-lo mixando ao vivo é o nosso objetivo, talvez o principal.
Outra coisa que me incomodou demais é que trabalhando em dois, cada tune ficava com a timbragem diferente, e fazer um disco ou sessões dessa maneira soaria bastante amador. Assim, pensamos e nos organizamos em fazer as composições e um trabalho de pesquisa de timbres, plugins, AUs e VSTs antes de ralar. Objetivo alcançado.”
“Outra coisa que me deixa puto e não estava legal era a composição no estilo “pintando quadradinhos”. Por isso, quase todos os baixos, escaletas, guitarras, saxofones e trombones foram tocados e gravados“ ao vivo” antes de ir para a edição no computador. Com muito trampo, objetivo alcançado! Gravamos e capturamos os instrumentos/vozes em diversos estúdios e centralizamos a edição final com o Danjah Tone para que tudo fique soando igual. Queremos terminar o segundo stack da sound até o fim desse ano mas como o disco está atrasado, não sei se vai rolar. Também vamos prensar em vinil alguns dubs que não sairão no disco.”
“No passado tivemos experiências ruins com nossos recursos próprios. Por não ter então retorno em termos de visibilidade e público, sem poder evoluir como uma sound e também sem o retorno para bancar os prejuízos, isso nos obrigou a ter mais maturidade e menos ingenuidade para olhar para as coisas com mais razão do que emoção. Quando se trata de reggae, tudo parece ser paz, amor e que todo mundo está cheio de boa vontade na evolução.”
“Eu larguei minha família, minha quebrada, tive que ralar em trampos que eu odiava e fazer diversas horas extras para me manter correndo atrás do bloco: fazendo reggae, construindo caixa, linkando os soundmans, ajudando a completar cachê de outros artistas, reduzindo e até sem cobrar meu cachê muitas vezes, colaborando com o frete do próprio bolso, ajudando em ceder lugar para os manos dormirem na minha casa durante viagens, ajudando com grana para acontecer viagens de outras equipes e tentando fazer o melhor com o que temos disponível. Conheço manos que vivem assim também: tiram do almoço e do leite das crianças para montar caixas de som e levar informação e cultura para o povo.
Mas também conheço gente que se aproveita desse amor todo e da causa, usando os soundmans como recursos de baixo custo e moeda de troca para ter visibilidade, exercer influência e crescer dentro da cena, o que na minha humilde opinião é falta de ética e respeito com quem está na boa vontade; querendo trabalhar, querendo fazer música e propagar a cultura de maneira sustentável.
Todas as coisas trazem canseira. O homem não é capaz de descrevê-las; os olhos nunca se saciam de ver, nem os ouvidos de ouvir.”