“Éramos parte de um coletivo de Djs e Mcs intitulado “Partido Fantasma”, na época com influência do “15,3,3” como “PARTIDO” influente na periferia, mas FANTASMA, pois corríamos sem sermos vistos. Nessa época já estávamos muito bem familiarizados com o reggae e suas propostas revolucionárias apreciadas por nós anteriormente no RAP, e com o formato “SOUND SYSTEM”, conhecido por nós por meio dos mais velhos, como pais, tios, pais de amigos… Através de um grupo chamado VL dos Monstros, onde o DJ Derruba e seu irmão tocavam o barco, foi que nos inspiramos em manter a luta por nossa expressão tão rica naquele bairro “inexistente”. Então em 2007, com melhor direcionamento, fomos batizados pela vida em uma madrugada onde eu e meu irmão Dan voltávamos para a casa vindos de milhares de diálogos que nos faziam refletir a importância do habitat natural para todos os seres desta terra….daí surgiu o nome e a ação, Africa Mãe Do Leão.” A formação inicial do AML contava com Erick aka Poor e Professor Dan, e hoje tem Uale Figura e Vint somando ao time.
Os primeiros contatos com a rica cultura do reggae andaram junto com inspirações mais profundas de Erick. “Comecei ouvir reggae pois cresci, é o que eu penso, e junto disso veio a necessidade de solidificar as pernas nesse mundão e começar a me conhecer. JAH enviou então o reggae, após ter me feito entender minha realidade e meu tempo. A música me trouxe meu passado de volta e isso nos inspirou muito a passar tudo adiante. Todos nossos amigos e familiares ouviram e acompanharam esta evolução e nos fortalecemos como uma família fora de nossas casas.”
O trabalho com o sound system se tornou algo mais profundo e de fato levado como um trabalho a ser feito, de forma a levar a mensagem de uma forma mais forte e massiva, como conta Erick. “Com o tempo as coisas ganharam ainda mais sentido e acabaram por nos fazer largar os trabalhos diários que pagavam nossas contas, pois começamos a ser cada vez mais chamados ao que acreditamos ser parte de nossa missão nesta passagem. Após muito esforço conseguimos montar nosso sistema de som no começo de 2009, e tocávamos apenas no Gueto nesta época, principalmente no extremo leste da cidade, até que recebemos um convite para tocar no Voith, onde em 2008 nos reuníamos com outros apreciadores dos vinis de reggae e festas de sound system para compartilharmos nossos arquivos. Era uma época em que não havia em São Paulo nenhum sistema de som reggae além do Dubversão. Quase todos os integrantes dos sistemas de som que existem hoje em SP estiveram nesta época a jogar seus tunes na Voith”.
“Em 2010 nasceram os trabalhos com o Quilombo Hi Fi devido à identificação de propostas. Em 2011 passamos a trabalhar com nosso irmão Uale Figura, que conhecíamos de muleke e que cantava rap, inclusive algumas letras dele são de autoria do VL dos Monstros citado antes. Uale estava com algumas dúvidas em relação ao teor de suas letras da época por terem também amadurecido junto com ele, e precisávamos daquela voz ecoando na quebrada toda… Foi aí que surgiu a proposta e a insistência para que ele cantasse suas letras seguindo o dialogo do lado A dos discos que tocávamos. Foi a convite de nosso irmão Monkey Jhayam que levamos nosso sistema de som para São Mateus (região leste de SP) e Uale soltou a voz e emocionou a todos que ali estavam.”
“Depois disso vieram trabalhos com muitos braços, como a Blackstar Inity, suporte à história da diáspora através da musica, recebendo Johnny Osbourne, U Brown, Carlton Livingston, nossos irmãos Kebra Ethiopia e University of Steppah, que foram uma das, se não a atração mais importante na qual trabalhamos. Outro grande projeto é a Terremoto, fundada por nós e mais duas equipes que integravam a BSI.”
“Em 2011 comecei também a TATENUTUNES, trabalhando nisso até hoje. Ficamos muito felizes de vermos os laços que estabelecemos e o quanto esse rio foi longe.”
“Em 2013 coordenamos um projeto de base para a construção de um sound system, desde a parte intelectual até técnicas de operação de um pré-amp. Isso repercutiu de maneira explosiva, já que muitos queriam entender mais sobre isso mas não podiam. Quando começamos a ouvir reggae tudo era muito mais difícil, sem acesso nenhum a não ser ao Bob Marley e ao lixo da indústria que faz o reggae parecer musica de adolescente drogado, sem dar o poder devido a esta expressão carregada por centenas de anos da África para o mundo. Nem internet tínhamos até 2008, por isso costumo dizer que gente como a gente é o próprio REGGAE: podem estudar, mas vão estudar o que de fato somos, podem pesquisar, mas vão pesquisar as palavras vivas em nós, ou seja, se simplesmente buscarmos o auto conhecimento encontraremos o REGGAE.”
Erick fala sobre os projetos individuais de cada um, e como funcionam as parcerias atuais do coletivo “O Dan tem seus projetos individuais, o Uale trabalha em seu álbum, Victor faz diversas artes para flyers de festas dos sound system daqui e recentemente expandiu seu trabalho para um coletivo de colecionadores dos EUA. Também contamos com parcerias de quem temos como família, que é a produtora ORI e Mulheres de Ori, formado por mulheres pretas da periferia por conta da necessidade de solidificar as exigências destas, de mãos dadas elas tem uma voz muito mais forte e já abriram muitos caminhos para nós do AML.”
“Uma das integrantes e fundadora é a Pia, que desenvolveu e elaborou muitos destes projetos conosco e me ajudou na construção do Africa Mãe do Leão Sistema de Som. Mesmo mais distante hoje, a temos como parte da equipe, e em 2014 os caminhos nos levaram a trabalharmos juntos em sessões históricas onde tivemos a chance de trazer a África para os olhos do AGORA, uma África PODEROSA POR DEMAIS, UNIDA!”
“Com nosso trabalho esperamos resgatar valores perdidos hoje em dia, e acreditamos nos pequenos grupos como força revolucionaria de mudança. Com o nosso trabalho tentamos passar o conhecimento que nos foi escondido, mas na sequência revelado pelo REGGAE, e assim quebrarmos muitas algemas das quais nos prendiam também.”
E pra finalizar, Poor fala o que vem por aí. “Este ano temos muitas coisas em mente, porém grandes demais para caber apenas em nossas mãos. Teremos um ritmo de trabalho menos frenético que o de 2014 pois estamos em nova fase com a nossa proposta, com a meta de usar nossa palavra de maneira clara, jamais usar desta para criar mais confusão. 2014 aos nossos olhos foi o fim de uma era neste “mundo” onde a verdade cria confusão. O reggae é a maior prova disso: estão deixando cada vez mais corporativo tanto na maneira de apresentá-lo quanto na maneira de agir, tocar, comprar, promover, e se prostituir em algumas vezes. Agora estamos todos de corpo fechado e não pretendemos nos misturar com promoções falsas que visam promover o indivíduo e não os valores encarnados na música.”
“Neste ano, fugindo do grande centro, onde as casas noturnas formam escravos alegres (outras vezes nem tanto…), fechamos mensalmente uma data com o integrante do Nazireu “Morador”, que tem uma chácara na zona leste de SP chamada Pico das Torres. A festa chama-se OPERANDO O SISTEMA, justamente por ser a nossa vez de controlá-lo, ao contrário da maioria dos dias esta é a hora de quem nunca teve voz gritar, de nos mexermos como o espirito mandar, de sentirmos o gosto de estarmos unidos dando atenção à música. O preço é 5 reais para toda a quebrada, para que o público que nos acompanha possa tranquilamente se reunir. E, claro, a GRANDE TERREMOTO, onde temos muitos olhos e braços para criarmos uma concentração grande de energia que tentamos distribuir para todos, para que nosso sorriso e boas ideias durem por muito mais dias.”